“ser e não ser”, ao mesmo tempo, é o único modo possível de existir. |
Para Lisbeth, a única saída possível é individual. Ela é um rato resistente, sobrevivendo nos porões e roendo os alicerces da cidade, na mais absoluta solidão existencial. Ela é uma hacker – e o único movimento coletivo possível é aquele onde os indivíduos não sentem o cheiro da pele um do outro, cada um seguro na sua toca.
A outra face essencial de Lisbeth é o não pertencimento. Estrangeira em um mundo sem fronteiras, o conceito de nação não faz parte do planeta dela. Lisbeth é mais familiarizada – e a escolha do termo é proposital – com o hacker sem nome de lugar nenhum do que com o vizinho de porta. Lisbeth não tem chaves – tem senhas. Estar em Estocolmo ou em Pequim, para ela tanto faz. Ela não é estrangeira por pertencer a um outro país, ela é estrangeira como um ser em si. Ela é estrangeira diante do outro – ou de quase todos os outros – porque o olhar do outro para ela não faz a menor diferença. Ela não reconhece esse olhar, estrangeira que é frente à sua própria espécie. Ser estrangeira, para Lisbeth, é parte da nova condição humana.
Com uma profunda e justificada desconfiança dos homens – a começar pelo próprio pai – e com uma profunda pena das mulheres – a começar pela própria mãe –, Lisbeth Salander cria um homem e uma mulher, um nem homem nem mulher para si. Radical em sua androginia, Lisbeth poderia ser definida como uma bissexual, não fosse esta uma definição superada e que já não dá mais conta da complexidade da sexualidade humana.
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