segunda-feira, 19 de março de 2012

Shame?


Diretores consagrados que sabem contar histórias, através da sua arte e olhar peculiar, geralmente acabam em trilogias.
Kieslowski  com as cores (Bleu, Blanc e Rouge), Kar-wai com a ajuda do fiel escudeiro e ator Tony Leung nos contos do amor poético/ não correspondido (Amores Expressos (94), Anjos Caídos (95) e Felizes Juntos (97) .
Coppola com a trilogia dos chefões da máfia e Antonioni com a trinca nada básica da alienação (L'avventura (1960) La notte (61) e L'eclisse (62).

Steve McQueen é o próximo da lista.



Em Shame, o corpo é a fonte de vergonha que abala o cotidiano de Brandon, um homem viciado em sexo e solidão. A maneira como McQueen constrói seu personagem, sem muitas explicações psicológicas nem contextualizações, é típica de seus procedimentos narrativos. Suas melhores cenas são aquelas sem diálogo, como a paquera no metrô que abre o filme – um contato sexual que progride pelos olhares e meios sorrisos. 
Fassbender, o ator escolhido, é uma mistura de Daniel Day-Lewis e Ewan McGregor, dividindo a semelhança física com a intensidade na hora de atuar. 



A impressão de enclausuramento e mal-estar que prevalecia em Hunger (primeiro filme da série), todo ele filmado em celas e corredores de um set-presídio, aparece também em Shame, embora este se passe em ruas, prédios e principalmente no metrô de Nova York. 
Mas é uma Nova York  descolorida e depressiva, muito bem expressa na maneira como Sissy (Carey Mulligan), a irmã autodestrutiva de Brandon, que canta New York, New York num clube noturno, num tom mais melancólico e profundo nunca ouvido antes.


Comece a espalhar a notícia,
estou partindo hoje
Eu quero ser parte de
Nova Iorque, Nova Iorque

Estes sapatos vagabundos
Estão querendo passear
Direto pelo coração de
Nova Iorque, Nova Iorque

Eu quero acordar numa cidade
Que nunca dorme
E descobrir que sou o rei do pedaço
O maioral

Esta melancolia de cidadezinha
Está se derretendo
Eu terei um novo começo
Na velha Nova Iorque


Prestando atenção na letra, entendemos melhor as lágrimas de Brandon. E começamos a perceber que Shame não é um filme fácil de se ver.  Não é um filme que você simplesmente “enjoy”. Não existe humor, não tem alívio, não dá pra sentar num boteco logo na saída e comentar com os amigos.


Críticos & psicanalistas poderão apontar vínculos entre as relações que Brandon estabelece (ou tenta estabelecer) com parceiras de todo tipo e o laço neurótico e possivelmente traumático entre ele e a irmã. Mas as pistas que McQueen deixa pelo caminho são tênues e vagas. O que lhe interessa é sobretudo usar o cinema como uma espécie de espelho deformante, mas que assim mesmo restitui uma verdade mais profunda sobre os corpos que reflete.