sábado, 23 de junho de 2012

O truque, meu caro Potter, é NÃO ignorar a dor.


Prometheus - o filme, é uma referência óbvia ao titã da mitologia grega que quis roubar o conhecimento dos deuses para entregá-lo aos homens e foi castigado por isso. 



Só porque nos deu de presente o fogo, o pobre coitado foi amarrado a uma pedra, enquanto uma ave lhe abria a barriga e devorava seu fígado, repetidamente, dia após dia, ad infinitum.


O simbolismo do roubo do fogo é vasto. O efeito imediato da ação prometéica é o deslocamento do homem de seu estado  natural a uma desacomodação. O homem vivia no escuro e é despertado para a luz. É lhe oferecido o fogo da consciência e da criatividade, que provocará a evolução ininterrupta da raça humana. Com a habilidade de manipular o fogo, o homem descobriu-se poderoso, experimentando o novo, juntando e  ampliando seus recursos com o que aprendia.

O homem civilizado não mais se contentou com seu estado primitivo, ele passou a transformar o cru em cozido – o cru equivalendo àquilo que irrompe de seu ser sem reflexão e o cozido, o resultado do matutar de suas idéias, de suas conjecturas, de sua criatividade, da destruição do velho e do nascimento do novo. Desta forma, o roubo do fogo por Prometeu e sua concessão aos mortais transformou-se na principal dádiva à humanidade –  a consciência criativa.
Nossa primeira tecnologia, o fogo.
Mil anos antes de Cristo, as ferramentas de pedras.
Quatro mil anos a.C. inventamos a roda.
Século 9 d.C. surgimento da pólvora.
Século 19, a lâmpada.
Século XX temos o automóvel, a televisão, armas nucleares, naves espaciais, internet. 
Século 21 biotecnologia, nanotecnologia, fusão e futuramente a previsão é criar indivíduos cibernéticos tão per-feitos, semelhantes a nossa natureza.


E é onde entra a brincadeira de Ridley Scott.
Ele nos presenteia com sua ficção, a fantasia da busca pela gênese humana e embora Prometheus aborde supostas origens extraterrestres, é com muita sutileza que nos fala sobre crenças, maternidade, origens, finitude. Nos alerta que criar novas formas de vida é perigoso. E que mesmo inteligências capazes de criar vida complexa cometem erros fatais.


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Terras de ninguém

 Bancar o turista ou viajante o tempo todo, pode ser cansativo. Ou usar aquela máxima "precisamos nos deslocar para nos encontramos" pode ser uma armadilha.

Somos fascinados por enigmas, pelo desconhecido, nossa vontade de ver "se a grama do vizinho é mais verde mesmo" é uma encomenda para a insatisfação.

Existem histórias muito bem contadas, em filmes ou livros, que nos alertam sobre essa busca sem fim (ou sem rumo) do sentido, e se prestarmos bastante atenção, podemos chegar à conclusão que perdemos muito tempo olhando o que está do lado de fora.


Bowles, escritor e viajante norte-americano, foi mestre em criar personagens que nos apresentam a diferença fundamental, sob o Céu que nos Protege, entre viajante e turista: Enquanto o turista geralmente volta depressa para casa, ao fim de algumas semanas ou meses,  o viajante se desloca devagar, ao longo de anos, de uma parte da terra a outra.


Existe aí um risco: o de se tornar um eterno estrangeiro.

Retomando os ensinamentos de Lévi-Strauss, vale mencionar o que afirma o antropólogo Maurizio Bettini: “Terrível condição, aquela do estrangeiro que, em meio à gente diversa e em uma terra que não é a sua, perdeu o contato com a sua própria identidade. Se antes recordava intensamente a sua terra, agora não a recorda em absoluto, já nem sabe mais qual é…”
O estranhamento sofrido pelos protagonistas de Bowles, em termos de vertigem, “opressora sensação de irrealidade”, vazio da existência são, nesse sentido, estrangeiros que sofrem, aos poucos, uma total desintegração do eu.


A geração beat, por sua vez, reproduzia e metaforizava através de sua literatura a vontade de liberdade, assim como o jazz mostrava na música que transgredir regras e ter a expressão a qualquer custo nas décadas de 50 e 60 era o grito de guerra contra as hipocrisias da época.


Into de Wild, filme realizado a partir de um diário, de Christopher McCandless, um jovem, idealista, onipotente, que se embriagou com a Natureza, e recém-formado resolveu abandonar tudo e todos, atravessando os Estados Unidos até chegar ao inóspito Alasca. Lá descobre que a felicidade só existe de fato se for compartilhada!
No caso dele, o rio subiu, a natureza vetou sua volta pra casa.

E você, quão longe precisou ir para encontrar o que precisava? Quais foram as situações do mundo externo que te conduziram para uma ação satisfatória? Quantas vezes se sentiu pleno e satisfeito com as escolhas que fez?

Quando Bion fala em aproximar-se mais da realidade, trata-se de uma jornada em busca da verdade pessoal a ser revelada/constituída mediante o próprio trabalho do pensar.
É essa grande aventura: modificar-se interiormente através da elaboração psíquica. E é a viagem mais difícil, contra a qual resistimos, por natureza.

Tomar consciência implica em um movimento de distanciamento, em uma idéia de domínio, de captura, de posse, como nas expressões de guerra tomar uma cidade, que tem como conseqüência passar a governá-la. Tomar consciência chama, convoca inevitavelmente todas as metáforas do olhar. A tomada de consciência de uma realidade realizaria um movimento de libertação frente a esta realidade. Tomar consciência de seu passado, de suas motivações, de suas fantasias, seria não ser mais escravo deles, mantê-los à distancia, a distância que é considerada como sendo a distancia do olhar. A tomada de consciência seria este movimento de ruptura que instaura um espaço capaz de tornar possível o ato de ver.