quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Enfants always. HBO

 

No Brasil, quase sempre os títulos originais ganham uma cara mais marqueteira e por isso Criancinhas virou Pecados Íntimos. Apesar do appeal, acredito que o assunto nada tem haver com pecado. Mania puritana cristã de colocar sexo, culpa e traição, trindade unida nos filmes americanos.

Até poderia falar sobre posturas infantilizadas e mimadas que os adultos desde sempre são retratados nas histórias, onde a indecisão impera e a infidelidade com o outro atropela sempre a falta de fé e conhecimento em si próprio.

Mas não. Vou dizer para assistirem novamente o filme de 2006, que após quase 16 anos continua atualíssimo. Ontem foi mais um dia das crianças e escolhi (re)assisti-lo nesse dia porque as crianças do filme estão travestidas de adultos. (E as atitudes adultas ficaram por conta das crianças várias vezes no filme, fique atento!).

A recusa do amadurecimento aparece a cada instante do filme (da vida, na verdade). Muitas vezes culpamos a cultura em que vivemos obcecada com a juventude, mas não é só isso: nós temos uma dificuldade ENORME de deixarmos essas crianças que nos habitam. Toda carência, toda insegurança, toda falta de autoestima é constante e pulsa em nós enquanto saímos em busca da tal felicidade. Tentando ser bem sucedido profissionalmente, ou tendo filhos, ficando famoso, etc.


O filme coloca uma lupa gigante quando nos convida para dentro da casa do pedófilo condenado, Ronnie e é através do olhar benevolente de sua mãe que conseguimos enxergar melhor,  quando ela fala que o filho não é uma pessoa má, apenas por ter feito uma coisa ruim. O policial que todos os dias passa na sua porta hostilizando, xingando, que o diga. Talvez não tenha alguém que lhe diga algo parecido. 

O que vemos e sentimos em varias situações é um desamparo brutal, e assim como os personagens do filme, há uma tentativa de fazer o melhor possível mesmo quando nos encontramos nesses lugares sombrios. 

Somente quando nos afastamos um pouco do campo moralista é que se possibilita uma chance de nos percebermos e, quem sabe, nos perdoarmos por sermos tão criancinhas, tão pequenos.



Faz parte da nossa natureza psíquica, nos protegermos contra a dor, e frases explícitas no filme como: "sabemos que eventualmente tudo o que temos e somos chegará ao fim" - nos atinge como flechas. 

O filme é uma análise delicada sobre a condição humana e oferece um olhar complexo sobre a nossa guerra interna de cada dia entre nossos desejos e a nossa razão.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Tremendous effort, Mick, with a modest result.

 Existem diretores, que quando assistimos seus filmes, nos transportam para um lugar muito especial, cheio de sensações. Assim como quando não queremos que um livro acabe, ou uma música que precisamos ouvir várias vezes, alguns mestres da sétima arte, como Truffaut, Almodóvar, Hitchcock, Bertolucci entre outros conseguem me colocar em êxtase.

Paolo Sorrentino tem 2 anos a mais que eu, é um desses caras magníficos que sabe fazer do jeito dele uma estranha junção de cenas e falas, orquestrando uma explosão estética, um deleite para os olhos e pensamentos.

Youth (2015) reúne um elenco de peso com Michael Caine e Harvey Keitel no centro do protagonismo e também dividindo o talento com atrizes como Rachel Weisz e Jane Fonda. Todos eles noos brindam com seus diálogos e reflexões sobre a velhice, juventude, vida e morte.












Depois de A grande Beleza e The Young Pope, você sabe que o terreno de Sorrentino é sempre onírico, estamos no campo do Das unheimlich (inquietante do Freud) o tempo todo. As bizarrices que lembram seus conterrâneos Fellini e Boccaccio.


Paolo Sorrentino

A tragédia da vida para Paolo não precisa de muito sangue ou cenas barulhentas. Está presente na melancolia de seus personagens. Nos ruídos da natureza. Nas expressões de cansaço nos olhos de seus personagens. 

Fragmentos.

" - Está vendo aquela montanha? 

- Sim ela parece bem proxima.

- Assim é como você vê quando é jovem. Tudo parece estar muito próximo. Isso é o futuro.

Pega o grande binóculo e vira para o lado contrário, fazendo a inversão das lentes, e diz:

- E agora é assim que você vê quando é velho. Tudo parece distante. É o passado.


 

Em Youth, Sorrentino reorienta as lentes da humanidade para a verdade universal. Aquela que é simples e modesta, e constantemente preterida e esquecida. A verdade que é quase esquecida e às vezes constrangedora quando dizemos em voz alta, mas desde o início dos tempos, o mundo continuou a girar por causa dessa verdade única e básica da humanidade: Ame.


Rachel Weisz

Michael Caine









"Oh, the only thing you would ever say to her was ‘Quiet Melanie’. Mommy would explain to us: ‘Quiet, Daddy’s composing. Quiet, Daddy’s resting, he has a concert tonight. Quiet, Daddy’s on the phone to someone important. Quiet, Daddy has Stravinsky coming to the house later tonight’. You wanted to be Stravinsky but you don’t have a single drop of his genius. ‘Quiet Melanie’ were the only two things you knew how to say."


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

A tragédia do desamparo


Para Emmanuel Levinas,  a relação com o outro não é uma relação idílica e harmoniosa de comunhão, nem de uma empatia mediante a qual podemos colocar-nos em seu lugar; o reconhecemos como semelhante a nós, e ao mesmo tempo exterior; a relação com o outro é uma relação com um mistério.




Closer, filme dirigido por Mike Nichols, com roteiro de Patrick Marber (dramaturgo inglês), vai fazer 20 anos em 2024, e revendo suas personagens, me surpreendi (de novo) com as camadas humanas tão bem embaladas na trilha sonora de Damien Rice. 




Intimidade e estranheza habitam os 4 participantes desse jogo sem fim, onde a angústia mora na ignorância de si mesmo e na aposta da conquista do outro.

Assistimos a tragédia da triangulação, portanto temos o complexo de Édipo estampado o tempo todo no filme. Reféns de enlaçamentos apaixonados e idealizados, miram a conjugalidade, mas acertam apenas na impossibilidade de um projeto compartilhado.

O terceiro entra no contexto para ser excluído e ficar de observador. 


Em cena: o jogo perverso onde todos são perdedores.


Há uma busca incessante do olhar do outro (I can´t take my eyes of you...) na ilusão do quanto mais perto melhor (Closer), mas o que encontram é a distorção e a con-fusão. A busca obsessiva pela verdade como resultante de uma ferida narcísica frente à intolerável possibilidade de já não mais possuir totalmente o corpo do outro.



A fragilidade humana diante de sua condição de desamparo.  




Não foi possível, a estes casais, construírem uma história de experiências compartilhadas... 

e facilitadoras de um vínculo de confiança. 










Todos estão presos em seu próprio mundo infantil.






Compartilhar requer um grande trabalho psíquico por exigir a renúncia aos mais primitivos anseios infantis. 





“Um bando de estranhos tristes fotografados lindamente. É uma mentira."

Para além da intimidade via erotização, encontra-se a busca da verdade a qualquer preço – através do olhar, do fotografar, do interrogar – é uma tentativa de fugir do desamparo frente à impossibilidade de possuir/dominar o outro em sua essência e plenitude.



Na ânsia de fugir ao desamparo, buscam fusionar-se, levando consigo a ilusão de que, ao penetrar no espaço íntimo e secreto do outro, encontrariam a suprema glória. Com o rompimento destes limites, a erotização tomou forma através do olhar e do desejo de tudo saber. A presença de um terceiro se fez necessária como condição de um triunfo, onde o excluído é sempre o outro. 

Hello stranger, a frase que abre o diálogo no início da história já avisa aos espectadores:  Esses estranhos que se esbarram por acaso nas ruas de Londres, são estranhos que se cruzam todos os dias dentro de nós.



segunda-feira, 3 de maio de 2021

Pedaços e Pontes

 Pieces of a Woman é um filme difícil de ver. Mas se você conseguir ultrapassar (e sofrer) os 30 minutos iniciais, você poderá elaborar o luto junto com o casal que está na tela (e o casal que filmou e escreveu esta história), e finalmente vai ver a beleza que está por trás disso tudo.



Filmes não são só para entretenimento. Assim como a vida, a sétima arte retrata as dores e as delícias desse ser tão complexo que somos nós humanos. É muita beleza e horror junto. Quando alguém se aventura a filmar o que seria aproximadamente  um parto "normal", em um plano sequencia que promete dar veracidade, e junto com uma bela atuação, o resultado é o de mexer mesmo nas suas entranhas.


A fragilidade e a força na personagem de Vanessa Kirby é de arrepiar, a cada lágrima e a cada grito dela no filme.

Talvez o homem nunca vai saber como é isso.
Ele sempre vai se colocar na posição de herói ou menino. 
 
O bruto que foi propositalmente encenado por Shia La Beouf, de barbas longas, com seu choro escondido e sexo para encontrar alívio. O Bruto é o oposto da delicadeza de Martha que vagarosamente desliza a semente da maçã entre seus dedos.






"Como eu posso passar essa dor para outra pessoa?
Para alguém que já sofreu, minha filha não ia querer isso.Não foi para isso que minha filha veio ao mundo." E assim olhando para sua mãe, Martha consegue dizer que entende o quanto é difícil ser mãe. E que só o perdão, consigo e com os outros que nos deixa com o olhar mais apurado.




Relacionamentos, mãe-filha, marido-esposa, homem-mulher, intergerações com comunicações precárias, apesar do dinheiro, da beleza, da potência. 


Isso somos nós. Todos os dias.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

excêntrico: adjetivo. que (se) desvia ou afasta do centro.



Buscando um filme no festival Varilux (gratuitamente, nesta quarentena do Corona Virus), me deparei com o título (em português) que me chamou à atenção, A Excêntrica família de Gaspar






Imediatamente me lembrou um filme holandês que assisti na década de 90, ainda em VHS, que se chamava A Excêntrica família de Antônia. 


VHS
Sempre gostei de filmes onde a personagem principal é a família. Os dramas, as bizarrices, os risos e as lágrimas. Esse universo que aglutina pai, mãe, irmãos em uma infinidade de sentimentos. 

Nesse filme antigo, tinha uma mesa do lado de fora da casa,  onde as pessoas faziam as refeições. Cada vez mais a mesa ia crescendo. Chegavam pessoas novas, diferentes, que vinham de lugares sofridos, doloridos e encontravam ali conforto e amor. Essa mistura de tipos de gente e  gerações me encantava. 

Pude entender naquela época, no início da minha faculdade de psicologia,  um possível significado de familia: O lugar onde as pessoas ficam alimentadas, abastecidas de amor. Aquela mesa representava a continência que cada um não possuia antes de se vincularem.


A mesa que me encantou



O título original que não tinha nada de excêntrico 

Voltando para a família do festival de cine francês, com o título original: Gaspard va au marriage,  um filme de 2017 de um diretor que entrou pra minha lista de nomes onde fico atenta e procuro acompanhar: Antony Cordier.


Gaspar e seus irmãos no filme de Antony Cordier  

A mostra de delicadezas é grande, e a riqueza de temas que o filme desenvolve também é digno de um debate regado à vinhos. 

O início do filme é peculiar, começa com um contrato. 
Me lembrei de Bion e seus textos sobre a turbulência emocional que está embutida nos encontros. Gaspar ali, talvez já buscava transformações, mas não se dava conta. 




Somos convidados a participar como observadores privilegiados. Somo visitantes de um zoo-lógico de animais/ humanos e as ligações que vão se estabelecendo ao longo do filme, nos levam a pensar nas nossas relações sejam elas fraternais, sexuais ou banais. 



O viés ironico do cineasta, nos protege de percorrer o caminho fácil dos clichês dos instintos e primitividade. Com uma filmagem estética e bom gosto musical, nos leva para outro caminho.



patriarca da família Max (Johan Heldenbergh)
 


Cada filho tinha sua peculiaridade:  as genialidades, senso de responsabilidade, carencias e fragillidades.

Não estamos diante da típica familia francesa, ou de qualquer outro lugar da europa, ocidental. 





Vemos que no final das contas, o quanto é árduo nosso caminhar para nos libertarmos das amarras, dos laços familiares, que sempre nos confundem e nos impedem de ver claramente quem estamos nos tornando.


Je ne t'aime plus

Aquela famosa frase de Freud em Inibição, sintoma e angústia – “existe muito mais continuidade entre a vida intrauterina e a primeira infância do que a impressionante cesura do nascimento poderia nos fazer acreditar” (FREUD, 1926)

Em uma cena o irmão mais velho diz por uma série de razões e motivos por que não ama seu irmão mais novo (que mora longe e vive sua vida separada do clã). E é compreensivel num primeiro momento, mas no fundo acredito que existe tanto amor (camuflado de ódio e inveja) que no final temos o resultado bonito de uma carta explicando: 




que só é possível construir uma nova família e amarmos novas pessoas, para enfim re-nascer como pessoa,  indivíduo,
se obtivermos sucesso nas cesuras

**A cesura marca a própria constituição do aparelho psíquico: interno/externo, inconsciente/consciente, vigília/sonho etc. Mas, para Bion, é uma constituição que se dá a todo momento. Constitui, une e separa ao mesmo tempo as aparentes oposições binárias acima descritas. Ou seja, é um paradoxo. Essas e outras diferentes dimensões psíquicas (psicótico/não psicótico, protomental/mental, adulto/infantil, ódio/amor, paciente/analista etc.), simultaneamente separadas e unidas pela cesura (/), representam dois mundos, ou estados mentais, nos quais vivemos ou transitamos mesmo que um deles predomine como vértice de observação.  (Renato Trachtenberg SBPPA)

terça-feira, 31 de março de 2020

Quem tem medo do obscuro Freud?



Robert Finster ator alemão que encarna Freud



Quantos "psicanalistas" se revoltaram, espernearam, se lamentaram com essa apresentação artistica-sinistra do  criador da psicanálise.
Nos comentários decepcionados das redes sociais, a grande maioria se referia à serie como péssima! Nojo! Horrível!
Uma grande mentira...terror-pornô de quinta categoria...blasfêmia!!

Tudo bem, não é documentário nem mesmo possui o tom clássico do Freud Além da Alma, filme cultíssimo obrigatório nas faculdades de psicologia, pelo menos na minha época.






A série foi dirigida por Marvin Kren, austríaco como Freud, e célebre por seu trabalho em filmes de horror.
“Quero mostrar um Freud desconhecido, um homem em busca de reconhecimento dividido entre duas mulheres, entre razão e instinto. Sua psicanálise e os conceitos de ID, Ego e o Superego não surgiram do nada, são baseados nas experiências de um gênio atormentado que conhece em primeira mão as múltiplas faces do ser humano”, disse o diretor.






Pelo que percebi, grande parte do público se esqueceu de ver com olhos investidos de curiosidade. Com o olhar carregado e achatado que insiste em enxergar o PAI, gênio, psicanalista. Tente relaxar e conseguirá se entreter com a imagem de um belo homem, confuso, assustado e apaixonado.

Se montarmos um quebra-cabeças com as peças que o seriado propõe, pode ser um ótimo exercício cinematográfico e quem sabe, um belo despertar para entender um pouco do VIR a ser psicanalítico: expressão usada e abusada pelos congressos e institutos formadores de "psicanalistas".


O tom sombrio, sanguinolento, feroz e místico que a série nos apresenta causa impacto e quem não aguenta desiste no segundo episódio. Se for persistente e conseguir ir em frente, chegará no último capitulo desta temporada, sentindo um gostinho de quero mais, e agora na espera a segunda temporada, que provavelmente será tão fantasiosa e dark-heróica quanto a primeira, mas com pitadas de notas e ideias que se forem bem utilizadas, podem virar psicanálise. 







Freud e Marta


Quem tem sede de biografia, aqui vai um grande incentivo para procurar saber mais sobre Martha, Freud, Lou Salomé, Breuer, Misticismo e Psicanálise. Só vejo ampliação de conhecimento e isso não pode ser ruim.



quarta-feira, 29 de abril de 2015

Mommy Catastrófica



"As ideias não são de ninguém, andam voando por aí, como os anjos" (Gabriel Garcia Marques).

Em seu quinto longa-metragem, o diretor querubim sonhador, Xavier Dolan aos 25 anos, apoiado por um trio de atores admirável, fez um filme belíssimo sobre o temor de mudança, caracterizado por medo da loucura, incapacidade de pensar, angústia de aniquilamento e despersonalização. 






Cores e músicas, conseguem dar o tom e o senso criativo que Dolan usa para nos enquadrar em seu sonho romântico de algumas situações sombrias e doloridas das relações humanas. 







O intenso e atormentado adolescente Steve - interpretado por Antoine-Olivier Pilon, e sua mommy Diane (Anne Dorval),  D-I-E como ela se chama algumas vezes durante o filme, conhecem a vizinha Kyla (Suzanne Clément) e juntos, montam um tripé onde a esperança aparece no meio do caos,  expandindo a vida-tela desses personagens tão confusos e frustrados. 






A viúva de personalidade sem medidas, extravagante, defendida da angústia da perda do marido, dividida entre o amor e o ódio pelo filho, que por sua vez, transtornado pela perda do pai, explode em todas as direções todos os sentimentos sem se preocupar com quem está a sua volta. Xingam-se, atracam-se, machucam-se com violência, mas ela segue resoluta em domar e manter o filho por perto.




Die contará com o apoio de Kyla, vizinha traumatizada e oposta, implosiva, retraída, impossibilitada de se expressar. 
Um contraponto. Uma nova parceria, onde as novas vivências promovem ousadas incursões nas camadas emocionais de todos, mobilizadas por impactos de violência primitiva.







Só quando não estamos armados até os dentes,  é que podemos compreender que a vida não cabe em um só filme. 


domingo, 14 de dezembro de 2014

Gone Girl e nossas ausências.

O cinema tem o dom de facilitar. 
Antigamente era o teatro, o lugar das grandes tragédias encenadas através do exagero que nos possibilitava rir, chorar ou assustar com cenas tão explícitas da condição humana.

David Fincher, diretor de filmes inquietantes como Seven e O Clube da Luta,  com seu olhar brilhante e perverso nos deixa remexendo na cadeira quando assistimos essa história, de uma garota tão exemplar. 





Não vou pelo caminho mais fácil, que seria falar do papel da mídia, das máscaras sociais, das loucuras generalizadas. 

Assumindo que todos nós possuímos aspectos e núcleos obscuros da personalidade, que aparecem em alguns momentos da vida e não nos damos conta, vou tentar fazer uma análise da ida e da volta de Amy: seu sumiço e retorno triunfal.


Assim como as pessoas que assistem o filme, as personagens acreditam que existem vítimas e culpados na história. Só não sabemos quem é quem.

O início do filme nos conta como a paixão favorece os estados de mente mais anestesiados do casal que acredita serem melhores e diferentes do mundo ordinário que os cerca.

Mas logo Ben Affleck nos dá a dica:

"Quando penso sobre minha esposa, penso na cabeça dela. Imagino que se eu pudesse enxergar lá dentro, conseguiria descobrir as respostas para as questões básicas de qualquer casamento: No que você está pensando, como está se sentindo, o que fizemos um ao outro...o que iremos fazer um ao outro..."





Nossa onipotência e narcisismo nos atrapalham e muito, quando o assunto é relacionamento. Talvez por isso utilizamos tantas promessas, códigos de segurança, tudo que possa aliviar nossa incerteza daquilo que não conhecemos.

Uma armadilha muito comum nas relações humanas é colocar o outro como responsável. Pela nossa felicidade, pelas nossas conquistas, pelo nosso medo, pela nossa loucura.




É mais fácil fazer o outro de vilão do que assumir as próprias fraquezas ou dúvidas. Ou se fazer de vítima e não se responsabilizar pelas dificuldades que são comuns em qualquer desenvolvimento.

Casamento não é sofrimento, dor e controle, como diz Amy ao marido, quando está lutando para se manter viva na relação. Casamento é perceber os sofrimentos e alegrias - depois dar conta deles. É conhecer a outra parte da pessoa amada, aquela parte que é difícil de ver, assistir de perto o objeto de desejo  idealizado e adorado se transformar em ser humano, sem super-poderes e continuar amando essa pessoa, mesmo quando os defeitos, as manias, as fraquezas são descobertos. Talvez a palavra mais exata para definir "casamento"  seja trabalhoso. Continuar vinculado e manter as coisas boas dá trabalho sim.


“Querido marido, é agora que aproveito o momento para dizer que o conheço melhor do que você jamais poderia imaginar. Sei que algumas vezes você acha que desliza por este mundo sozinho, sem ser visto, sem ser percebido. Mas não acredite nisso nem por um segundo. Eu analisei você. Sei o que vai fazer antes que faça.”


No filme, o exagero da psicopatia explicita pode dispersar um ponto analítico interessante. 
Olhando de uma forma menos concreta, podemos concluir que "matar" (desmascarar) as características psicóticas e obsessivas, que estão dentro da gente, pode ser uma saída dessa posição de vítima/paranoica e tentar viver uma vida baseada em fatos reais. 
Esse movimento de ir e vir, fugir e enfrentar, trocar a vontade de morrer por um recomeço menos fantasioso, pode ser um convite para deixarmos as tragédias um pouco de lado.



quarta-feira, 10 de julho de 2013

(Un) Faithful




Filme belíssimo, Infidelidade (2002), de Adrian Lyne, que iniciou escola e produz com estilo único 9 ½ Semanas de Amor (1986) e Atração Fatal (1987), explorando as profundezas dos relacionamentos humanos, dentro do casamento, ou fora dele. 

Marriage issues.




O filme não mostra um casamento em ruínas. 
Ao contrário.
Mas parece existir o ranço da rotina dos 11 anos de convivência e que pode ter deixado rastros invisíveis.
O tempo que eles passam juntos todos os dias ultrapassa os momentos ordinários, onde cada um consegue arrumar espaço mental para descobrir mais sobre si próprio e sobre o outro? Acho que não. 

O Absoluto e o Relativo.



O absoluto é o vento, logo no início do filme anunciando que uma tempestade está chegando naquele dia.

Não importa o que significa simbolicamente isso para você ou para mim, é um fato e está sutilmente prognosticado o que virá pelas próximas duas horas.



Constance, perde seu rumo quando a ventania a empurra para os braços de Paul Martel. Olhando daqui, do lado do espectador sempre fica mais fácil encontrar as saídas, as armadilhas, as tolices infantis daqueles que estão protagonizando uma aventura e não conseguem perceber para onde estão indo.





Eu não conheço nenhum mortal que acredita em relacionamentos e que seja totalmente honesto consigo (e conseqüentemente com os outros), com habilidade suficiente para não machucar ninguém, não existe. 

É mais fácil para o maridão Richard Gere - e para todos nós - contratar um detetive particular e mandar seguir a esposa do que realmente dizer: "Olha, eu me sinto como se estivesse tendo um caso. Você está tendo um caso agora ? Tem que falar comigo. Você ainda me ama?" 
Quando a insegurança já tomou conta da sua cabeça e ouvir o que não quer está em pauta, a única saída é criar expectativas sobre tudo. Nesse sentido, realmente existe algo de errado - pessoalmente e com o relacionamento. 





O que fazer então com essa informação, com a constatação que existe uma traição? 
O personagem do marido traído  é empurrado para seus limites e fica à mercê de sentimentos e atitudes que não sabe lidar: quando, onde, com qual intensidade  irão surgir.  E depois, como assumir a responsabilidade por tudo isso? 


O filme talvez nos mostre moralmente que todas as ações têm conseqüências. Mas o que fica nas entrelinhas, nos silêncios, nas belas imagens recheadas de dor, amor, ódio, desespero são os pactos sutis de fidelidade que acontecem a todo momento e que o filme nos mostra de forma emocionante.