domingo, 14 de dezembro de 2014

Gone Girl e nossas ausências.

O cinema tem o dom de facilitar. 
Antigamente era o teatro, o lugar das grandes tragédias encenadas através do exagero que nos possibilitava rir, chorar ou assustar com cenas tão explícitas da condição humana.

David Fincher, diretor de filmes inquietantes como Seven e O Clube da Luta,  com seu olhar brilhante e perverso nos deixa remexendo na cadeira quando assistimos essa história, de uma garota tão exemplar. 





Não vou pelo caminho mais fácil, que seria falar do papel da mídia, das máscaras sociais, das loucuras generalizadas. 

Assumindo que todos nós possuímos aspectos e núcleos obscuros da personalidade, que aparecem em alguns momentos da vida e não nos damos conta, vou tentar fazer uma análise da ida e da volta de Amy: seu sumiço e retorno triunfal.


Assim como as pessoas que assistem o filme, as personagens acreditam que existem vítimas e culpados na história. Só não sabemos quem é quem.

O início do filme nos conta como a paixão favorece os estados de mente mais anestesiados do casal que acredita serem melhores e diferentes do mundo ordinário que os cerca.

Mas logo Ben Affleck nos dá a dica:

"Quando penso sobre minha esposa, penso na cabeça dela. Imagino que se eu pudesse enxergar lá dentro, conseguiria descobrir as respostas para as questões básicas de qualquer casamento: No que você está pensando, como está se sentindo, o que fizemos um ao outro...o que iremos fazer um ao outro..."





Nossa onipotência e narcisismo nos atrapalham e muito, quando o assunto é relacionamento. Talvez por isso utilizamos tantas promessas, códigos de segurança, tudo que possa aliviar nossa incerteza daquilo que não conhecemos.

Uma armadilha muito comum nas relações humanas é colocar o outro como responsável. Pela nossa felicidade, pelas nossas conquistas, pelo nosso medo, pela nossa loucura.




É mais fácil fazer o outro de vilão do que assumir as próprias fraquezas ou dúvidas. Ou se fazer de vítima e não se responsabilizar pelas dificuldades que são comuns em qualquer desenvolvimento.

Casamento não é sofrimento, dor e controle, como diz Amy ao marido, quando está lutando para se manter viva na relação. Casamento é perceber os sofrimentos e alegrias - depois dar conta deles. É conhecer a outra parte da pessoa amada, aquela parte que é difícil de ver, assistir de perto o objeto de desejo  idealizado e adorado se transformar em ser humano, sem super-poderes e continuar amando essa pessoa, mesmo quando os defeitos, as manias, as fraquezas são descobertos. Talvez a palavra mais exata para definir "casamento"  seja trabalhoso. Continuar vinculado e manter as coisas boas dá trabalho sim.


“Querido marido, é agora que aproveito o momento para dizer que o conheço melhor do que você jamais poderia imaginar. Sei que algumas vezes você acha que desliza por este mundo sozinho, sem ser visto, sem ser percebido. Mas não acredite nisso nem por um segundo. Eu analisei você. Sei o que vai fazer antes que faça.”


No filme, o exagero da psicopatia explicita pode dispersar um ponto analítico interessante. 
Olhando de uma forma menos concreta, podemos concluir que "matar" (desmascarar) as características psicóticas e obsessivas, que estão dentro da gente, pode ser uma saída dessa posição de vítima/paranoica e tentar viver uma vida baseada em fatos reais. 
Esse movimento de ir e vir, fugir e enfrentar, trocar a vontade de morrer por um recomeço menos fantasioso, pode ser um convite para deixarmos as tragédias um pouco de lado.



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