segunda-feira, 22 de outubro de 2012

verbo (to dog): perseguir, seguir como um cão, juntar-se a.


Dois filmes bem complementares, co-incidentes, Dogville e Straw Dogs.


Existem filmes que podem ser considerados maravilhosos por fazerem você sair do cinema com a boca amarga? 
Sim. Lars Von Trier consegue fazer isso muito bem e por muitas vezes.


"Você acha que ajudando as pessoas você está sendo boa? Isso é arrogância."

Grace em inglês quer dizer graça. 
No início do filme Tom diz que a cidade precisa de um presente. Em inglês, presente é gift. Gift também pode ser traduzido como dom. 
Grace é o dom, a graça, recebida por Dogville. 
É um teste divino. Ela altera a vida besta do lugarejo. Primeiro, alegra a vida de todos, depois as complica e finalmente é sacrificada para que a comunidade se mantenha coesa. Diante do testemunho que presta frente ao conjunto dos moradores, descrevendo as mesquinharias, violências e intrigas de cada um, o efeito é unir todos contra ela. Se não o fizessem, seriam obrigados a se separar. 
A comunidade acabaria. 


O filme de Lars Von Trier nos escandaliza porque traduz uma sociedade hipócrita em que somos inseridos quase que naturalmente, e o filme fica bastante impalatável, quando encena o mundo que é construído com nossa covardia. 
Nós somos Dogville. 


A impotência, o cultivo de nossas frustrações e nossos medos, os desejos de vingança escondidos, a repressão dos sentimentos.
No lugar do sentir:  uma boa pitada de boas maneiras. 
No silêncio da nossa falsa bondade, esboçando aquele sorriso de enganadores, nos apropriamos, abusamos e violentamos a primeira Grace que aparece em nossas vidas. 

Trier escancara tudo isso em um filme com formato de teatro. Joga lentamente na tela amarelada a pergunta:

Como saber quem é mais arrogante?

Do ponto de vista de um cão, não importa se quem lhe é superior é humano ou divino. Se conseguirmos superar as relações de dominação ainda ficaremos nós, sem cão e sem Deus, com a já enorme complicação de sermos apenas humanos. 






Tanto na versão original, com Dustin Hoffman, no início dos anos 70, assim como na versão repaginada do ano passado, Sob o domínio do Medo é sempre atual. 
A violência é explícita, os sentimentos são contidos.
Essa crueza dos personagens que incomoda tanto, machuca os olhos de quem assiste aquilo tudo numa sala escura.

O filme começa do alto para baixo, ou seja, como se alguém estivesse observando os fatos de um  lugar privilegiado, dos céus. Justifica o título original: Cães de Palha - Straw Dogs baseado na filosofia do chinês Lao-Tzu :

Nos antigos rituais chineses, cachorros de palha eram usados como oferendas para os deuses. Durante o ritual, eram tratados com a mais profunda referência. Quando terminava, e não sendo mais necessários, eram pisoteados e jogados fora: “Céu e terra não tem atributos e não estabelecem diferenças: tratam as pessoas como cachorros de palha.”  Se os humanos perturbarem o equilíbrio da Terra, serão pisoteados e jogados fora.




Insuportável para muita gente, são os filmes que fazem pensar: 
sobre as fraquezas humanas, os limites da inveja, as provocações que desorganizam o que aparentemente está funcionando bem.




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